segunda-feira, janeiro 22, 2007

Rio de Janeiro, chuva e dor de dente














Hino à dor

Dor, saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam..


És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!


Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
Com os corpúsculos mágicos do tacto
Prendo a orquestra de chamas que executas...


E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!


Esta ode á dor deliciosamente escrito pelo poeta Augusto dos Anjos vem de encontro ao início do que seriam minhas férias. Sim, meus caros; dor. Muita dor. Dor de dente. E aqueles que já padeceram deste mal hão de solidarizar-se comigo. E aqueles que tem a sorte de não padecerem também devem prestar seu pesar a minha pessoa pelo fato de passar o reveillon com dor de dente. Nada de fogos em Copacabana, o reveillon perfeito foi no Hospital Municipal Salgado Filho, no bairro do Méier, juntamente com os acidentados do reveillon. Como se vê, melhor impossível.

Os dentes formam uma classe unida em nosso corpo. Exigentes, não são negociadores, exigem tudo e na hora em que determinam. Você sempre pode negociar com o estômago a respeito daquela azia, aquela tosse insistente com o pulmão, aquela enxaqueca com a cabeça. Até mesmo o coração tem se mostrado flexível a ceder um pouco em virtude dos recentes avanços da medicina em troca de uma alimentação saudável ( apesar do mesmo ainda realizar manifestações repentinas que não acabam bem). Mas os dentes são inflexíveis. Se nosso corpo fosse o Congresso, os dentes seriam o chamado “ grupo dos trinta” que tenta trazer um pouco de respeito a Casa, sem abertura para acordos e conchavos. . Cada terminação nervosa enviava ao cérebro sinais de que a coisa não estava bem. O nervo reclamava do ambiente fechado devido à obturação antiga e os demais dentes se encarregavam de levar adiante as reivindicações. Com os dentes é assim, numa forma popular, “ mexeu com um, mexeu com todos”. Até o ouvido resolveu aderir ao protesto. Com um movimento organizado destes, como não aderir aos fortes, e grife-se o forte, apelos e efetuar um tratamento de canal na cidade maravilhosa?

A grande invenção moderna da humanidade não foi a energia elétrica, tampouco o veículo motorizado, a televisão ou os Reality Shows. Nada disso. A grande invenção moderna foram os inibidores de dor. Com o surgimento da morfina, o homem realmente ganhou qualidade de vida. Soldados saiam confiantes de seus países para enfrentar seus inimigos nos campos de batalha sem se importarem em perder uma perna, ter o rosto deformado ou algo do gênero. Nada disso era problema. Desde que a dor fosse inibida, a vida seria suportável. Cirurgias complicadíssimas passaram a ser realizadas em pacientes anestesiados e inertes nas camas dos hospitais. Enfim, a vida tornou-se suportável e a caminhada mais fácil. A gente não quer só comida, diversão e arte. Nós não queremos é sentir dor!

Simplificando, a vida é mais ou menos desta forma, se não doer, já é um prazer. Ou não?

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